Rádio Café Viola toca o melhor do sertanejo raíz

segunda-feira, 15 de junho de 2015

WEBNODE :: A VOZ DO MONTE

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sexta-feira, 18 de julho de 2014

RELEMBRANDO - Por José Lopes Lisboa

É muito fácil e prazeroso relembrar e contar histórias da vida campestre tendo como fundo musical essas músicas que tocam na radiosaladevioleiros.com.
O cotidiano de quem mora ou morou na roça é sempre recheado de coisas simples que dá prazer em relatar e as recordações sempre nos transporta ao passado por mais distanciado esteja.
Infância boa, feliz? Sim, quando passada livre entre os grandes campos, florestas, fontes de águas cristalinas, cachoeiras e rios onde nadava-se de braçadas. Eu tive essa sorte nos tempos em que morava com meus padrinhos; uma infância livre como a vida dos pássaros, era só pedir a bênção aos padrinhos e saia movido ao frescor do vento, peito aberto à brisa a encontrar os amigos mais ou menos da mesma idade para brincar, nadar, pescar, jogar com bola de meia nos terreiros de café, nas gramas dos pastos ou no meio da estrada. Ainda tinha as famosas bolinhas de gude com regras criadas por nós mesmos, muitas vezes decidia-se na força, sabe como é criança, sempre acha razão onde não tem, qualquer coisa inventa.
Tem fatos que marcam mesmo: um deles é o tempo da frutas maduras e além daquelas que eram plantadas nos quintais e no meio das lavouras de café, na beira das estradas e aquelas que os mais velhos conheciam, as frutas silvestres nascidas no meio dos campos e matas virgens. Entre elas havia uma qualidade que fazia mais fartura, as jabuticabas gigantes. Eu subia em uma árvore paralela e quando chegava a uma boa altura passava para a jabuticabeira e descia derriçando  as frutas com a sola dos pés e pegava o quanto podia, por que só produzia uma voz no ano, mas dava para encher o balaio no grotão do português.
Eu e meu padrinho (quase pai) saíamos da casa levando um saco e uma quiçamba nas costas, um facão, canivete, foice e espingarda chumbeira (de carregar pela boca) para nos prevenir se por acaso algum bicho tentasse nos atacar e só voltávamos quando enchia as vasilhas. Era uma mata fechada que abrigava varias espécies de aves e animais. Facilmente se via inhambú, mutum, jacutinga, saracura, pombas amargosa e trocal, e as que conhecíamos como aves da gaiola, canários, azulões, trinca-ferro, catatau, cigarrinha, bico-de-louça, sabiá, galo da serra, sofreu, pintasilva, gaturamas ferro e mirim, bicudos e cardeais.
Imagine um ambiente assim às cinco horas da manhã, que orquestração mágica! A gente ouvia embevecido. A palavra estresse era desconhecida naquele tempo; o que conhecíamos era somente a harmonia da natureza verde e viva ao som das águas, do vento, do trovão a da fauna inteira e, para completar o quadro mais lindo criado pela mãe natura, figuravam as margens dos riachos cobertos de trepadeiras carregadas de flores de cores variadas, o colorido das borboletas e das abelhas a doçura do mel.
Esta sim,  pode ser chamada de infância plena  e eu nem sabia! Poucos tiveram o privilégio de viver isto. Eu sou abençoado!..

José Lopes Lisboa
saladevioleiros.blogspot.com  

segunda-feira, 14 de abril de 2014

SALA DE VIOLA VICENTE MACHADO

Sala de Viola Vicente Machado no Mecado Novo. 
Que eu saiba, é o mais antigo e inspirador de todos os Encontros de Violeiros da região metroplitana da capital mineira.
Não podia haver melhor loocalização, tão fácil de chegar, convergente e onde já existe significativo comércio de bens, arte e serviço, em plena atividade condizente com a música sertaneja.

Tivesse sido criado e implantado ali um conceito de administração saudável apontando para a institucionalização, seria hoje, sem contradita, uma entidade fortalecida e abrangente, um ponto de apoio e incentivo à violeirada mineira com repercussão nacional e recursos próprios para gerir atividade comercial sem fins lucrativos, porém de autosustentação, expansão e impulso à cultura sertaneja autêntica.

Contribuir com apresentações de duplas e trios, apoiar os começantes que vêm surgindo e oferecer conforto aos visitantes devia ser a tônica sa Sala, sem favor nenhum, além de bem reprensentar os trabalhadores da nossa música diante dos órgãos competentes, principais canais de divulgação, apreciadores e ao povo em geral.

Esta devia ser a meta, a grande finalidade da Sala, em benefícios de todos.

Entretanto... 
Falta sonho! Falta atitude empreendedora. Falta torocínio. Falta tudo!



Everalçdo Reis Teixeira
saladevioleiros.blogspot.com

quinta-feira, 13 de março de 2014

FILHO DA ROÇA

Sou filho da roça morei em palhoça
De beira de rio em tempo de frio
Sou filho caçula criado sem gula
Não tive escola nem tempo pra bola
Ainda menido bem posto e traquino
Serviço pesado fazia dobrado
Enquanto crescia também aprendia
Fazer tudo certo sem ninguém por perto

Finais de semana eu todo bcana
No meu alazão dobrava espigão
Pra ir à festança de reza e dança
Eu não só rezava também namorava
E tinha um plano aos 21 anos
Mudei pra cidade por necessidade
Passei privação aprendi profissão
Depois me casei e divorciei

Ganhei quatro filhos exemplos de brio
Encheram meus dias de grande alegria
Carrego saudade e muita vontade
De sempre crescer sem enfraquecer
É grande a distância da minha infância
Embora matuto colhi belos frutos
Cansado de nada nem penso em parada.

Everaldo Reis Teixeira
saladevioleiros.blogspot.com

terça-feira, 19 de novembro de 2013

VIOLA MILAGREIRA (*)

Transcorria o ano de 1.986. Tempo em que minhas vistas a sítios e fazendas para  instalação de antenas de tv eram frequentes. Dependendo da distância e das dificuldades o serviço as vezes demorava mais de um dia.
Uma vez, no meio de uma manhã ensolarada, fui recebido pelo Sr Juvenal (que me cumprimentou com a mão esquerda por ter amputado o polegar direito) e família, conforme previamente combinado.
Porém, devido o serviço de manutenção na rede de distribuição, a energia elétrica seria religada entre o final do dia e início da noite; assim decidimos deixar meu trabalho para o dia seguinte e aproveitei para passear pelo sítio e acompanhar seus dois filhos na lida da roça - apartar as vacas, cuidar dos suínos e tal.
Até a hora do almoço deu para perceber com clareza que entre ele e a esposa não havia troca de palavras, senão por meio de recadinhos através de sua filha caçula. "Pai a mãe mandô falá qui o cumê já tá feito" "Já tamo ino" respondeu secamente.
Ao passar pela sala do meio meu olhar foi atraído por uma viola pendurada, sem cordas, em estado de visível abandono. A comida gostosa servida em panelas pretas, em cima do fogão de lenha e só ele e eu para almoçar. Indagações sobre aquela viola corroída pelo desprezo começaram a me fervilhar o espírito e meu cérebro ardia em chamas, feito graveto seco embebido em combustível de curiosidade.
Comecinho da noite. As aves já abrigadas em seus galhos. O gado acomodado no curral. O silêncio, o cheiro e a aragem levemente dispersos. Novamente só nós dois para o jantar. Achei que era o momento oportuno para puxar prosa de moda sertaneja, ensejando ouvir alguns casos. Quando, no meio da conversa, manifestei o desejo de saber algo da viola, seu Juvenal não conseguiu esconder o abalo emocional que lhe embargou a voz, fez-lhe marejar os olhos, abaixar a cabeça e respirar fundo como a buscar ânimo contra o ataque de terríveis fantasmas de amargas recordações.
Após alguns minutos de silêncio e refazimento convidou-me a conhecer o seu quintal, repleto de plantações variadas. A ramagem exuberante do arvoredo não impedia que flóculos de lua crescente caíssem sobre nós sentados num cocho, próximo a pequeno curso dágua, debaixo das sombras da noite enluarada.
Aquele homem de fala curta temperou a garganta uma, duas e mais vezes... e falou com voz entrecortada: "vou te contar a história daquela viola. Há 22 anos eu fazia dupla com único irmão. A gente cantava bonito nas festas, nos bailes, o povo gostava e aplaudia... Conseguimos até um contrato assinado e com data marcada para gravar um LP na Chantecler". Fez pausa significativa e continuou. "Porém uns dois meses antes da viagem para São Paulo uma cobra Jararacuçú me picou o dedo, deu granguena e teve de ser cortado. Fiquei sem poder tocar viola mas não deixei de sonhar. Teimei, teimei até que aprendi a tocar sem o dedão. Voltamos a cantar pra valer. Dupla novamente ensaiada, contrato renovado e nova data marcada. Tudo certo para a realização de sonhos... A voz engasgou. Mais uma pausa e prosseguiu. "Uma horrível desgraça aconteceu! Meu irmão foi assassinado à facadas. Foi o triste fim de um sonho e de uma vida!..
Após um bom intervalo e a um gesto seu, voltamos para a varanda. Ato brusco tirou a viola do prego, começou a limpá-la e mandou seu filho mais velho ir à venda comprar cordas. Aos primeiros acordes e ponteios percebi tratar-se de grande violeiro - cuja teimosia sublimou a importância do dedo. A prosa agora tomou o rumo das recordações amenas, entremeadas de pedaços de pontiados e cantarolas de modas sertanejas, noite a dentro. A lua havia sumido e os  galos amiudavam nos alertando para o adiantado da madrugada escura. Era preciso dormir.
Sua esposa Julieta, ao servir o café da manhã, fez comentários sobre o que percebeu e ouviu durante a noite e afirmou terem sido parceiros de cantorias também. De repente, sorrateiramente, ela chega por detrás dele, abraça-o e, entre emocionada e contente diz: "meu bem vamo fazê as pais? Vamo cumeçá tudo otra veis?" Uma cena forte! Emocionante!
Deixei os dois a sós e fui cuidar do meu serviço. No início da tarde, na presença de vizinhos, ao dar por terminado meu trabalho, ouvi de um dos seus filhos: "pai, canta u'as moda c'ua mãe!" Não fizeram fita e todos pudemos ouvir, no estilo Zita Carreiro e Carreirinho, belíssimas interpretações.
Foi, deveras, um milagre da viola falecida que, ressuscitada, fez renascer um casamento, uma família e muitas alegrias mortas havia mais de duas décadas. E ainda semeou canteiros de novas esperanças em pelo menos 5 corações! Um dos filhos, comovido (o mesmo que pediu que cantassem), me confidenciou jamais ter visto seus pais conversando. Quanto ao motivo que levou o casal à  tão prolongada desavença, nada fiquei sabendo.

(*) - Os nome próprios são outros. Algumas expressões são particulares.

Everaldo Reis Teixeira
saladevioleiros.blogspot.com

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

MEU BOI CAMARÃO (*)


Criança, todos sabem, aprende mais facilmente a partir do que ouve e vê. E fixa tão bem que guarda em mínimos detalhes coloridos para sempre, e não esquece nada jamais. Também eu tenho minhas histórias de recordações de infância que, do muito que vi e ouvi, guardo com gosto. A do Boi Camarão é apenas uma entre muitas que testemunhei. Até aos 12 anos de idade vivi nas terras do seu Gabriel, sogro de minha irmã Rivanda, a fazenda Sucuri , município de Ituiutaba, limitada por dois córregos e cortada por uma movimentada estrada boiadeira que passava fazendo uma curva debaixo da grande paineira, na frente da sede e que, vez ou outra servia como pouso de boiada.
Existia o rego d'agua à esquerda da casa, que era distribuído em bicas altas de arueira para abastecer a casa, mover o monjolo, o moinho de fubá e tocar o maior engenho de cana de toda a redondeza. Havia também e carro de bois, o único meio de puxar lenha, madeira, mudança, produtos da roça, coisas diversas e, nos meses de moagem, muita cana para ser moída e transformada em garapa, cachaça, açúcar e rapadura.
Cinco junta de bois (Paredão e Brasão (cabeçalho), Barreto e Barroso, Carinhoso e Lustroso, Figurão e Violão e junta da guia Salão e Camarão) puxavam o carro carregado por onde fosse necessário: dobrando espigões, subindo serras, atravessando vaus e atoleiros.
O Camarão era um boi de peso, erado, manso, de feição triste e sofrida, serena e, além do gangote calejado e merejante, trazia também os joelhos cobertos de calos que formavam um cascão grosso, preto, por vezes sangrento. Com a força de um trator possante atendia a voz de comando do carreiro ou do candieiro feito menino obediente.
Seu Gabriel, carreiro caprichoso, apenas "conversava" com os bois ou, no máximo, batia na vara de ferrão fazendo zoar o chocalho e os bichos obedeciam docilmente, e não permitia que outros careiros (seu Orozimbo, seu José Inocêncio, seu Osiris ou o próprio filho Durval, meu cunhado) sequer gritassem com os pobres animais, quanto mais instigá-los à ferroadas.



Era comum o carro engastalhar, quando carregado e em trechos de passagem difícil. Nestas situações bastava um comando mais enérgico e o Camarão (pobre Camarão) dobrava os joelhos, abaixava a cabeça submisso e, com o focinho rente ao chão, empregando toda a sua força descomunal, caminhava por alguns metros na terra dura, irregular, às vezes cheia de cascalho, pedras ou tocos de árvores. Alguma coisa acontecia ali: se não quebrasse uma canga, um canzil, uma tiradeira... o carro era desengastalhado como que puxado por ele só. Os cocões gemendo novamente e os gritos de animação do carreiro representavam - o Eia! - o brado por mais uma façanha do Camarão. Na condição de boi de guia, o Camarão era admirado, respeitado, invencível - único, na minha opinião. Encangado com qualquer outro boi famoso (O Marreco, o Cadeado, o Ramalhete ou o Sobrado) para ele era café pequeno.
É quase impossível encontrar capacidades iguais entre indivíduos de uma mesma espécie. O que se verifica é uma variação de aptidões entre dois extremos. O Camarão possuía em elevado grau os valores da força e da mansidão. Não me lembro e não sei (nem quero saber) como  aconteceu o fim do Boi Camarão. Para mim ele não morreu. Continua vivo e santificado, escondido nalgum lugar oculto, por certo no mundo da minha imaginação.
E não é sem emoção lacrimejante que revivo essa historia real do Boi Camarão.
O Boi herói, com alma de gente!

(*) - Algumas expressões são próprias do linguajar caipira da época.

Everaldo Reis Teixeira

 
saladevioleiros.blogspot.com 
 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O TIRADOR DE MEL - POR JOSÉ CLAUDINO NETO*

Antenor Serra, o Serinha da dupla Serinha e Caboclinho nasceu em Botucatú, sp, em 26/6/1.917 e faleceu em 19/08/1.978. Marino Rabelo, o Caboclinho, faleceu em 1.954.
No final do quarto decênio do século que passou estabeleceram afinidades com o Pontal do Triângulo Mineiro, municípios de Ituiutaba, Cachoeira Dourada, Capinópolis e Ipiaçú, quando nesceu, inclusive o valseado "Ituiutaba Querida" autoria de Rielinho, o safoneiro da dupla.
O ponto alto desta história são as festas que eles animavam na fazenda do Sílvio Gouveia, então conhecidíssimo fazendeiro das proximidades, do Baú Velho, a alguns quilômetros de Cachoeira Dourada, às margens do rio Paranaíba, divisa de Goiás.
Devido a atração pesqueira e a grande beleza da queda d'água, formou-se o povoado de mesmo nome, hoje próspero município.
Nos intervalos entre uma e outra festa, que em determinadas épocas do ano eram semanais, Serinha e Caboclinho passavam na fazenda. Para preencherem o tempo e atender também a vocação para pescadores, iam sempre às pescarias. Lá chegavam montado em cavalos tomados emprestados  na fazenda, ou às vezes se valiam também de canoas movidas a remo.
Certo vez, subindo o rio pela mesma margem do povoado, cercado de mata virgem, ouviram o barulho de um machado cortando dentro da mata fechada. Como estavam à caça de aventuras confabularam com o canoeiro  e ficaram sabendo que era costume encontrar por ali tiradores de mel de abelha devido a abundância e variedade de espécies.
Amarraram a canoa e adentraram a mata por uns quinhentos metros, onde encontraram um rapaz vigoroso, alegre, comunicativo, de 19 anos presumíveis, amigo do canoeiro.
Através de alguns dedos de prosa ficaram sabendo que o moço cantava animando os bailes da currutela. Depois de saborearem deliciosos favos de mel de abelha Jataí, as bocas ficaram desocupadas e a conversa girou em torno de músicas de rádio, quais os caipiras de São Paulo preferidos pelo "tirador de mel", etc.
Induziram o rapaz a cantar as próprias músicas deles, que, por uma identidade de gosto e estilo ele sabia várias. Depois de elogiarem sua voz e parabenizá-lo pelo talento, se revelaram dizendo-lhe que o levaria para São Paulo pois, lá, havia outro, aguardando encontrar aquele tipo de voz.
O Tirador de Mel era o Iranides (o Irá) como era conhecido. Entusiasmado, foi dar notícia aos pais e pedir-lhes "autorização" (veja só) para a viagem. O "não" sufocante foi a resposta, abafando uma carreira musical provavelmente promissora.
Irá faleceu em março de 2009, aos 78 anos de idade e a filha dele, professora distinta, afirma que o seu violão se encontra ainda em cima do guarda-roupas mudo e abandonado. É um Del Vecchio, original.

Everaldo Reis Teixeira
saladevioleiros.blogspot.com

*José Claudino Neto, amigo desde muitos anos, poeta e sertanejo embevecido, é pequeno sitiante dos arredores de Ituiutaba, entre um ribeirão e uma centenária estrada boiadeira de muitas histórias, onde usufrui de uma paisagem deleitante, tão ou mais bela e exuberante que as descritas nas melhores letras sertanejas.
Tomara que envie outros deliciosos casos.